Emancipação

Fim da tirania, continuação da revolução. O meu pensamento é sereno e curto enquanto marcho por estes trilhos, de terras quase virgens com pinheiros tão altos que parece que beijam as nuvens, rochas “sujas” de um musgo verde acastanhado e com o barulho de pássaros e outros tantos animais, que não consigo identificar, como banda sonora.

Existe qualquer coisa de harmonioso por entre estas árvores, ao longo do rio, ou até no simples ato de coexistir com os outros animais. O que torna matar dois animais por semana - o necessário para a minha sobrevivência - ainda mais difícil.

Tento convencer-me que sou o primeiro ser humano a percorrer estas paisagens, mas estou seguro de que é mentira. Apenas mais uma tentativa de me distrair do verdadeiro motivo desta caminhada. Por que razão é domingo, em pleno Fevereiro, e eu estou quase a 50 quilómetros de casa, de mala às costas, roupas gastas de tanto rastejar e com uma ferida gigante no braço esquerdo que teima em cicatrizar?

Pelo meu estado ninguém diria que fugi apenas há dois meses. Parece que vivo ao relento há anos! Não me posso queixar. Para quem detestava acampar – e uma ou outra atividade ao ar livre – até me estou a safar.

Já nem me lembro sequer da discussão, se foi assim tão insuportável que justifique a vida que levo agora, ou uma simples idiotice.

Enfim, este tipo de contato – homem/natureza – é cada vez mais raro e sinto-me feliz, mais do que com aquele velho casmurro e bêbedo, casado com aquela sonsa. Não merecem a designação que o estado lhes atribui. Eu sou do mundo, deste agora meu, tão verdadeiro e livre, não do dissimulado e limitado deles.

Vou parar de pensar na minha vida anterior, porque agora, posso fazer e ir onde quiser, a minha liberdade não tem fim!

Edição: Catarina Custódio e Pedro Espadinha

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