Crónicas de Portugal contemporâneo #1
- Catarina Custódio
- 15 de mai. de 2017
- 2 min de leitura
A Lisboa dos "não portugueses"

Acordo de manhã, todos os dias, e sinto o peso da rotina. O cansaço do trabalho, a correria do dia-a-dia, são, agora, acessórios meus.
O tempo não pára e por falta dele não tenho carta. Mesmo que a tivesse, o dinheiro não chega. Não tenho carro, por isso, usar transportes públicos é uma necessidade desde tenra idade.
Nem tudo é mau, no entanto. São inúmeras as vezes em que me meto no metro e viajo para as minhas próprias além-fronteiras. Encontro refúgio no desassossego dos mais bonitos cantos de Lisboa, enquanto procuro ar fresco… libertação.
Ou procurava.
Lembro-me das várias vezes que visitava o Cais-do-sodré só para me sentar em frente ao rio. Fosse inverno ou verão, era irrelevante. Ocupava o meu tempo a observar os navios que passavam, alguns deles grandes cruzeiros repletos de luxo. E invejava-os. Eles iam, de facto, além-fronteiras, como eu mesma tanto tentava.
O metro foi desde sempre, o meu meio de transporte de eleição, em Lisboa, pois por dentro de Portugal pouco ou nada viajei. Antes por falta de tempo, agora por falta de dinheiro. Mas a mesma vontade com que procurava o desapego da rotina foi desvanecendo, quando os recantos desassossegados se disfarçavam cada vez mais, de uma Lisboa, que já não era a minha.
Todo o Portugal, não conheço, mas de Lisboa, a minha querida Lisboa… posso falar.
Os turistas esmagam-nos a qualquer hora do dia. O Cais-do-Sodré onde me refugiava antes está agora, em qualquer altura do ano, repleto de caras pálidas, visitantes maioritariamente oriundos de países nórdicos. Os edifícios antigos que tantas vezes admirei, maior parte, viraram hotéis, como é o que acontecerá ao icónico Diário de Noticias, que sempre observei sentada nos banquinhos do topo da Avenida.
Os cafézinhos de esquina onde escrevi palavras de adolescente revoltada com a sua realidade são agora grandes restaurantes de grandes chefes (também eles estrangeiros). As campanhas publicitárias deste hotel ou daquele restaurante, ou do belo do café, aparecem já todas traduzidas sabe-se lá bem para quantas linguas diferentes… e os paus das selfies batem-nos na testa.
As enchentes multi-linguísticas ensurdecem-nos e, no meio de tudo isto, a azáfama do meu dia-a-dia é só mais um peso que carrego nos ombros juntamente com a saudade da minha Lisboa, não muito antiga, da qual ainda disfrutei e que agora está cheia… de não portugueses.
Fotografia: Jessica Lais
Edição: Pedro Espadinha
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